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Maria Auxiliadora dos Santos, conhecida como Cilinha, dedicou sua vida para ajudar o próximo, se tornando uma referência da ação social em Lapão (BA)

 

Por Pedro Moraes

 

Percebemos como foi importante a existência de alguém, pelo nível de emoção demonstrada nos momentos em que essa pessoa é lembrada. Ao falar da história da paraibana Maria Auxiliadora dos Santos, conhecida carinhosamente como Cilinha, uma explosão de sentimentos aflora, com depoimentos recheados pelos mais diversos sorrisos, saudades, lições de vida e muita comoção sobre uma guerreira que esteve entre nós para servir.

Filha de Antonio Dias Ramos e Maria das Dores Dias Ramos, Cilinha, nasceu em Remígio, em 27 de março de 1956. Na sua terra natal a situação estava difícil, as fortes secas e escassez de recursos fizeram com que ela fosse para Lapão com apenas dois anos, ao lado dos pais e os irmãos Lourival, Margarida, Luís, Zélia e Marisé. Na nova cidade, a esperança de dias melhores foi renovada e logo a família aumentou com o nascimento de Irenaldo e Marileide. “Cilinha era uma criança bem magrinha e impulsiva, mas desde cedo puxou aos pais e mesmo bem novinha, já gostava de agradar as crianças que ela conhecia”, se recorda Marileide.

Apaixonada pela nova terra, porém sem perder suas raízes, se considerava uma “paraibaiana”, (mistura de paraibana com baiana) e com muito esforço estudou até a quinta série conciliando o estudo com os trabalhos de casa e os da roça em Queimada Nova, povoado de Irecê. Com o tempo, conheceu Antônio Batista dos Santos, Totonho. Com o romance, veio o namoro e posteriormente o casamento, virando o braço direito do esposo. “Casamos no dia primeiro de abril de 1972. Inicialmente começamos a morar juntos, na casa dos pais dela e depois casamos. Foram momentos felizes, minha sogra e meu sogro sempre me consideraram bastante e quando saímos da casa deles para a nossa eles reclamaram, queriam que ficássemos. Quando encontrei Cilinha, ganhei uma companheira que se esforçou por toda sua vida para me ajudar, não conheço uma pessoa com mais disposição e ânimo para auxiliar o outro. Tenho um açougue e ela nunca me disse hoje você vai só, a disposição era fora do normal. Acordava de madrugada, desossava os bois, tratava os fatos e permanecia com a mesma energia. Podia está sentindo qualquer coisa, mas quando falava em ajudar alguém ou trabalhar, Cilinha enfrentava qualquer dor e mostrava que não existia tempo ruim, quando se tinha vontade,” se recorda Antônio.

O casal teve quatro filhos, Clesciane, Clebson, Clenildo e Anaclécio, que recordam  de uma mãe que sabia reclamar e acolher na hora certa. “Ela tinha um carisma enorme com as pessoas, posso dizer com toda certeza que tive uma mãe excelente, pois ao mesmo tempo em que ela passava a mão na cabeça dos filhos ela sabia cobrar atitudes e posicionamentos. Mãe chegava junto e nos ensinou muitas coisas”.  Disse Anaclécio. Concordando com o irmão, Clesciane comenta que a mãe ensinou duas coisas fundamentais: a importância da união entre os familiares e a força de vontade para ajudar o próximo. “Conviver com ela, me influenciou a fazer o bem e estar sempre próxima a minha família”.

Em nome da Ação social

Além de ajudar o marido no açougue, era feirante, e viajava para as cidades da região de Irecê com o objetivo de vender carne nos balcões das feiras. A amiga Maria Alves se recorda que na época, Cilinha separava vários pedaços da mercadoria para fazer doações aos mais necessitados. “Na feira, eu vendia tempero do lado dela e percebia que nunca saia uma pessoa que precisasse de ajuda sem um pedacinho de carne enrolado, ela fazia o bem, mas não gostava de aparecer, sempre ajudava com muito sigilo, por isso, considero-a uma pessoa especial”.

Mesmo com quatro filhos jovens, Cilinha se comoveu com a história da garota Ilca Nascimento dos Santos, que com apenas 12 anos, morava sozinha. A mãe verdadeira deu prioridade a acompanhar o esposo e foi viver na roça com o marido deixando duas filhas sozinhas. A irmã da pré-adolescente foi para Brasília, e a jovem garota, a cada dia se sentia mais triste e solitária. Conhecendo sua história, Cilinha não hesitou a convidar a garota para morar com ela. Muito emocionada, Ilca conta: “ela foi uma peça fundamental em minha vida, tenho muito orgulho em ter tido nela uma segunda mãe. No momento mais difícil da minha vida, onde me sentia só e triste,  ela me ofereceu de bom coração para morar com ela. Mãe Cilinha não me conhecia, não sabia de minha índole, mas mesmo assim, me acolheu como se fosse sua filha. Ficava surpresa a cada dia com sua dedicação, seu sorriso, e todo amor dedicado a mim. Nunca senti diferenças,  o que  tinha para um, tinha para outro, tudo que os filhos dela tinham, eu também recebia, era como se tivéssemos o mesmo sangue. Na ausência da minha mãe, o seu carinho completou meu coração e  me ensinou a perdoar, a ir na igreja, conhecer os bairros carentes e apoiar os mais necessitados”.

Mesmo tentando não demonstrar, o trabalho social que ela desenvolvia, logo começou a chamar a atenção. Foi quando o até então pároco da cidade, Padre Lúcio Barboza,  convidou a guerreira para somar nos grupos de ação social da Igreja Católica de Lapão. Com isso, ela participou voluntariamente da Pastoral da Criança, Promoção Humana e os grupos Galileu e Liturgia.  “Ela me incentivava a participar dos projetos” se recorda a amiga, Maria Alves. “As vezes falhava, estava sem disposição e não ia, quando isso acontecia era certo, Cilinha batia em minha casa e dizia: Coloca uma roupa, vai tomar banho porque você vai, existem muitas pessoas que hoje dependem de você. Assim, não sabia dizer não, e ao lado dela e da colega Maria Paiva percorríamos a cidade e povoados em busca de pessoas que estivessem necessitando de ajuda. Não tinha como ficar triste perto dela, porque ela era um exemplo, qualquer problema que ela tinha, ela deixava para trás e vivia o presente com um sorriso estampado no rosto. Quando ela ajudava alguém era como se seu espírito se renovasse”.

Com os grupos de evangelização e de ação social da Igreja, a guerreira da ação social fazia diversas campanhas de arrecadação e encaminhava mantimentos para os mais necessitados. Incontáveis famílias receberam de alguma forma seu auxílio, se eternizando no dia a dia, por fazer o bem. “Ela tomava a situação para ela, enfrentava o problema e metia a cara, como se toda a responsabilidade fosse dela”, diz a irmã Marileide.

No bairro Ida Cardozo, a amiga Maria Alves presenciou uma de suas ações que ficou registrada na sua memória. “Tinha uns gêmeos chamados Marcílio e Marcelo, ela os encontrou e comentou comigo: achei algo doloroso, a mãe abandou os filhos e quem toma conta é uma senhora doente. Chegamos lá, tinha duas crianças pequenas, em condições sub-humanas,  logo um deles nos pediu um pão e Cilinha começou a chorar . Ela comprou o que eles tinham pedido e levou o caso na Promoção Humana. O grupo disse que ia fazer uma visita e em alguns dias iria arrecadar os recursos para ajudar as crianças. Mas Cilinha não aguentava ver gente precisando, e ela questionava se está precisando hoje, como vai poder ficar esperando? Então ela saiu de porta em porta pedindo ajuda, pegou do dinheiro dela comprou umas telhas para consertar a casa dos meninos e foi levar os mantimentos, depois de um tempo a Promoção Humana fez uma campanha para fazer mais um cômodo na casa deles, mas Cilinha acompanhou esses garotos até ficarem grandes”.

 

Dia de São João Bastita

 

A saúde da guerreira começou a dar sinais de fragilidade. Ao participar de um cortejo fúnebre,  passou mal subindo a ladeira que dá acesso ao cemitério municipal, foi então que procurou um cardiologista para realizar uns exames. A notícia não foi boa, Cilinha tinha um escape em uma das válvulas do coração e necessitava passar por um procedimento cirúrgico.

Muito religiosa, Cilinha apostou na fé e não parou diante da enfermidade, tentando por diversas vezes continuar as obras sociais nos bairros. “Mesmo doente, ela andava pedindo coisas para os pobres e ocupava grande parte do tempo ajudando o outro. Nunca estava satisfeita pelo que estava fazendo, então sempre tentou cada vez mais fazer o bem e caminhar em busca da resolução dos problemas do outro. Isso ajudava a enfrentar a doença, mas muitas vezes não dava, mesmo querendo ir, percebia que ficava cansada e as vezes passava mal”, lembra a irmã Marileide.

Algumas amigas de Cilinha contam que a brincalhona colega sempre dizia que gostaria que sua morte acontecesse no mesmo dia da festa São João Batista, porque a cidade estaria em festa. Coincidência ou não, ao chegar no dia do padroeiro da cidade, em 23 de julho de 2009, seu quadro de saúde se agravou e após sofrer um enfarte, Cilinha foi levada ao hospital mas não resistiu, falecendo a caminho. “No dia que faleceu, mãe me disse: vá para missa em homenagem a São João Batista, eu não vou poder ir, mas você vai. Quando fui almoçar, ela disse que não estava passando bem e iria ao médico mais tarde. Mesmo não muito bem, mãe voltou a pedir para que fosse na procissão e na missa”, conta Clesciane.

Maria Alves recorda que estava na procissão quando escutou a notícia e mesmo após ter superado a morte da amiga, diz não esquecê-la por um instante. “Foi uma morte rápida e inesperada, pois mesmo debilitada não acreditávamos que isso fosse acontecer, Cilinha sempre se mostrou uma rocha. Senti muito com sua morte, éramos carne e unha. Mesmo após seu falecimento, nós da Promoção Humana nunca falamos que ela faleceu, porque toda vez que temos reuniões, sentimos a presença dela entre nós. Minha amiga e irmã, deixou uma história muito bela, que vai ficar para sempre na memória dos lapoenses”, conclui.

Sensibilizado com a história, o Prefeito de Lapão Hermenilson Carvalho homenageou Cilinha, nomeando o novo centro de ação social com o seu nome. O CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), vai oferecer orientação e acompanhamento psicossocial e jurídico  para pessoas em situação de ameaça ou violação de seus direitos por ocorrência de abandono, violência física, psicológica ou sexual. A irmã da homenageada, Zélia,  diz que a família ficou lisonjeada com o merecido tributo e afirmou: “Cilinha era uma mulher de boa índole, uma ótima filha, mãe e avó. Me recordo diariamente da minha irmã como uma mulher maravilhosa que por onde passou deixou sua marca fazendo caridade não só materialmente, mas com orações. Agora que o mestre Jesus a chamou para fazer a grande viagem, ela vai continuar a fazer o bem espiritualmente e será lembrada por todos com muita saudade”, conclui a irmã.