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Por Pedro Moraes

Em uma sala lotada, as luzes se abaixavam e uma voz suave e cadenciada anunciava: “Nesse horário está entrando no ar o sistema de som do Cine Lapão, hoje, vocês vão assistir o filme Paixão de um Homem, estrelado pelo cantor Waldick Soriano”.  Desta forma, Hélio Gomes, abria as seções do cinema da cidade, sem saber que estava entrando para história do município por ter propiciado para tantos o contato com a sétima arte, se tornando uma referência cultural viva na microrregião de Irecê.

Hélio Gomes nasceu em Canoão de Ibititá em 1938. Com 19 anos a irmã que morava em Brasília resolveu voltar para o semiárido e morar Lapão, foi então que Hélio resolveu acompanha-la com o objetivo de abrir um armarinho. O comércio durou alguns anos, até que comprou um bar do irmão e mudou de ramo. Porém, o ambiente não era o que ele gostaria de ficar. Relembrando a época, Hélio conta que fechou o bar e tentou uma nova profissão vendendo tecidos e rádios para os comerciantes locais. “Tentei ser vendedor mas esse serviço ainda não contemplava minha opção de vida, larguei tudo e entrei no ramo de fotografia. Fazia fotos de formaturas, casamentos e solenidades. Trabalhei uns três anos com uma máquina Yashica, até que um amigo de Piritiba, chamado Marotinho, arrendou um clube e fundou um cinema por lá”.

Nasce o cinema na cidade: O cinema do amigo despertou uma nova paixão para Hélio que rapidamente pegou com Marotinho os macetes da profissão e fundou em 68 no salão da Sociedade Cultural de Lapão, instituição que na época era o presidente, o Cine Columbia. “O espaço cabia 50 pessoas, a cidade não tinha energia elétrica, o projetor e as lâmpadas eram alimentadas por um motor a óleo diesel, mas dava para fazer uma seção por dia. Quem mais frequentavam eram as famílias e os casais de namorados, que gostavam de assistir filmes românticos e aproveitar o escurinho do cinema,” diz Hélio Gomes. Com o tempo, Hélio precisava de mais espaço, foi então que teve a ideia de mudar a sala para outro ambiente. O cine Columbia ficou em uma garagem ao lado do antigo bar e por quatro anos, apresentou grandes clássicos do cinema nacional, com atores consagrados como Mazzaropi, Tony Viana, Oscarito e Grande Otelo.

Sucesso de público: Em cinco de fevereiro de 75, o Cine Columbia se transformou em Cine Lapão e mudou para um novo prédio com capacidade para 250 pessoas. A reestreia do cinema lapoense foi marcada pelo filme Elvis é Assim. De acordo com Hélio Gomes, “a seção estava lotada, Elvis Presley estava no auge, ele era um sucesso. Nesse tempo, quando o filme era bom fazíamos até três seções, com o ingresso custando aproximadamente dois cruzeiros. O cinema deu lucro, foi onde fiz meu pé de meia,” relembra Hélio.

O cine Lapão passava películas de variados estilos, românticos, épicos, bíblicos, de terror e os famosos e populares filmes de “Bang-bang”(Western) e artes marciais. Hélio comenta que Love Story, Tarzan, Digo como te Amo, O Marginal e os Dois Gladiadores foram os filmes de maior bilheteria, porém não esquece de ressaltar que o público adorava as chanchadas com Oscarito, Grande Otelo e Mazzaropi. “O cinema nacional dava muito público. Lembro que filmes como Chumbo Quente com os cantores Léo Canhoto e Robertinho, Menino da Porteira com Sérgio Reis e Roberto Carlos em ritmo de Aventura eram garantia de sala lotada.”

Atualmente na microrregião de Irecê, não encontramos cinemas. Mas até começo da década de 80 o sucesso era evidente. Hélio era o responsável por distribuir os filmes nas cidades vizinhas, ele alugava as películas em Salvador, por 150 a 200 cruzeiros e cobrava para cada cinema da região de 20 a 50 cruzeiros por exibição. O sucesso era tamanho que o ator e diretor Tony Vieira passou por vários municípios, onde Hélio distribuía as películas, como em Jussara, Barra do Mendes, Cafarnaum, Uibaí e Presidente Dutra, para apresentar os filmes e criar um vínculo maior com o público.

Fim do Cinema: Após treze anos de sucesso no novo prédio, o Cine Lapão e diversos outros cinemas ganharam um adversário forte, o videocassete, uma tecnologia que gerou uma crise quase que irreversível para vários estabelecimentos do setor. Com a popularização do aparelho, os filmes saiam de cartaz nos cinemas e em poucos meses já estavam disponíveis para locação.  Além disso, as boates e casas noturnas nas cidades do interior se expandiam e o público dos cinemas ficava cada vez menor. “Todas as salas da região estavam sentindo na pele, tinha também um cinema em Barra do Mendes, esse resistiu menos e fechei. Várias distribuidoras de Salvador que nos passavam filmes em 16mm também não resistiram e estava ficando difícil até encontrar filmes nessa bitola”.

As salas começaram a ficar vazias, e não compensava mais alugar um rolo de filme para passar. O único gênero que ainda atraia grandes bilheterias eram os filmes pornôs. Foi então que Hélio decidiu investir em filmes mais caros e realizar intensas campanhas publicitárias. Porém, a estratégia não obteve sucesso. “Vinha tentando de todas as formas. Aluguei um filme caro, chamado Engraçadinha, esperava levantar a moral do cinema. Divulguei em jornais, no sistema de som, coloquei cartazes na cidade e infelizmente foi uma decepção. Só foram 13 pessoas. Fiquei tão injuriado com isso, porque era um filme romântico e histórico, com uma história muito boa e não deu público, mas quando passava filme pornô era casa cheia.  Gostava de projetar filmes instrutivos, que passassem uma mensagem, não era só lucro, tinha um cinema porque achava que estava evoluindo a cidade e ajudando a engrandecer a cultura local. Então com o fracasso deste filme encerrei a atividade do Cine Lapão em 13 de setembro de 88 e não tentei mais voltar com ele,” desabafa.

Com a decepção, ele saiu de Lapão e foi morar em Salvador. Chegando na cidade, abriu uma mercearia mas logo voltou para área, se tornando um dos gerentes da Orient Cinemas, atualmente uma das maiores distribuidoras de filmes do estado.  Hélio gerenciou as salas do Brotas Center, Center lapa, Cine Itaigara, Tamoio, Excelsior, Cine tupi e Cine Jandaia de Salvador. Anos mais tarde, voltou para Lapão, onde mora com sua esposa Evanilde, com quem é casado há 43 anos, ao lado do antigo cinema. “Sinto muita falta daquela época, além de ser apaixonado por cinema, meu desenvolvimento financeiro e cultural foi propiciado por ele. Não tenho como não sentir a falta. Quando entro naquele salão sinto muitas saudades de uma época que me trouxe felicidades, penso em reformar esse local e criar um espaço cultural, onde possa alugar para festas e fazer umas seções de filmes. Tem muitos jovens na cidade com ideais de teatro e outras artes e que não tem um ponto de sustentação, esse salão vai ser esse espaço” promete Hélio Gomes.