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Texto: Pedro Moraes

Postado em: 16/06/2010 (revisado: 03/02/17)

 

Respeitado pela comunidade e por integrantes mais velhos da religião, o jovem Dijalma dos Santos, de 19 anos, ou simplesmente Dijalma de Ogum, líder do terreiro Ylê Axé Orixalá no bairro Ida Cardoso em Lapão, é reconhecido pelo programa do governo federal “Terreiros do Brasil” como o pai de santo mais jovem da Bahia. Dijalma que herdou os conhecimentos da avó dona Rosália, que tinha um terreiro em Lagoa do Gaudêncio, comunidade remanescente de quilombola, conheceu a religião ainda pequeno e logo sentiu a vocação para o candomblé. “Comecei zelar de santo (cuidar das imagens e do ambiente) com apenas sete anos, observava ela fazendo as obrigações dela no terreiro e sempre tive vontade. Três anos depois, com dez anos, minha avó parou e comecei a herdar as coisas dela,  meu tio jogou os búzios e os orixás me apontaram como o seu sucessor. Fiquei alguns meses me preparando e me tornei pai de santo. A primeira vez que incorporei foi muito forte, senti uma força que não sei de onde veio. Certa vez tentei parar, mas a força dos orixás foram maiores que a minha e sigo até hoje.” lembra Dijalma.

whatsapp-image-2017-01-30-at-16-32-56O terreiro é uma casa de Oxalá, com predominância da cor branca, com imagens, incensos e velas. O local tem as portas pintadas de azul, uma referência a Ogum, orixá guia de Dijalma. O local é frequentado por diversas faixas etárias, não e difícil ver crianças e adultos dividindo o mesmo local respeitando Dijalma como líder e conselheiro espiritual. “A relação é de pai. Muitos me chamam de padrinho. Temos filhos de santo nessa casa que vai dos 4 a 50 anos. Crianças ou adultos todos me respeitam. Muitas pessoas nos procuram em busca da paz, às vezes por falta de saúde e trabalho ou até desavenças sentimentais. Elas chegam para pedir conselhos e serem ouvidas, converso  muito com elas e fazemos orações. Algumas vezes indico uns banhos, com plantas da mata, morada de Oxossi. Os banhos com as folhas de Ossanha, trazem paz, força e afasta os espíritos ruins que estão por perto atrapalhando alguma coisa, muitos deles com apenas um banho já se sentem melhor.” Revela o pai de santo .

Social – O terreiro de Dijalma realiza frequentemente aulas com pessoas interessadas sobre a cultura negra, falando de ensinamentos do candomblé com as histórias dos orixás e os cânticos ajudando a preservar e imortalizar a cultura afrodescendente.  “Também ajudamos pessoas a se libertarem de vícios e de coisas ruins desse mundo, aqui mesmo veio um rapaz alcoólatra, ele com a mulher bebiam bastante deixando a família desestruturada. Ele veio aqui, conversamos muito e trabalhamos para resolver isso. Agora ele está aqui conosco e largou o vicio”.

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Preconceito – Apesar ser uma religião secular, o candomblé, assim como outras manifestações da cultura negra ainda recebem represarias e preconceitos por diversas pessoas.  Não seria diferente por aqui. Apesar de afirmar não se incomodar, o pai de santo Dijalma diz que até viatura policial esteve no terreiro. “Tinha uma senhora que dizia que fazíamos coisas para o diabo, chamou a polícia uma vez, mas ela nunca conseguiu fazer nada demais conosco. Existe muito preconceito, mas em nove anos de trabalho, percebo que já mudou muita coisa, não tenho vergonha de mostrar as pessoas minha religião que é bela e prega o bem. Cada um segue o caminho que Deus abriu para seguir, por isso respeito todos que seguem outras religiões”.

Contato: 074 9.9978-7743

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Já era tarde. Aproximadamente 2h da madrugada em uma quinta-feira, Marcelo*, pai de quatro filhos, casado, 45 anos, não estava em seu lar com  a família e sim apenas começando mais uma noite, sentado numa mesa de bar comendo carne assada e curtindo uma rua vazia regada a muito álcool. Infelizmente, esse não é um dia atípico desta pessoa e sim, sua rotina. Na mesma cidade e noite, em outro bar, encontro Fernando*, um jovem de 25 anos, cabelos compridos, de visual rebelde, porém tímido. Sentado na frente de um balcão sombrio, repleto de copos mal lavados, o jovem agricultor se queixava da vida em um cenário triste e revelador, que se tornou um palco para seu passatempo e fuga diária, se embriagar.

“Colega, vamos fechar”, diz o garçom, mas Marcelo não tem vergonha de insistir a terceira “saideira” da noite. A cerveja gelada com uma fina camada de gelo sobre a garrafa chega na mesa transformando o ato em quase um orgasmo, o já embriagado empresário sorrir e diz com orgulho: “essa Antártica está gostosa”.

“Tive um dia estressante”, comenta Marcelo, “trabalho o dia todo e quando chego em casa só tem problemas para resolver, por isso preciso tomar uma para relaxar. Bebo quase todos os dias, mudo bastante quando dou um gole, sou tímido, fico falante, se estou estressado fico calmo, se triste logo começo a rir. Nunca pensei em parar de beber, minha mulher não gosta, todo dia que chego de madrugada é sempre uma confusão diferente, mas ela querendo ou não preciso curtir um pouco”.

Fernando procura um efeito diferente, para ele, o álcool é uma ferramenta para auxiliá-lo na sedução, porém, o tiro sempre sai pela culatra. “As mulheres não gostam de homens que não bebem. Quando tomo alguma coisa tenho coragem para chegar em uma garota e trocar uma ideia, mas quando estou sem beber, a noite fica chata e nada acontece. O problema é que quando começo a beber não consigo parar e faço coisas que normalmente nunca faria, xingo pessoas que gosto, falo mal, brigo se encherem meu saco e me sinto tão livre que faço desta cidade um Woodstock”.

Segundo amigos, o comportamento de Fernando quando bebe é tão irreverente que acaba afastando todos, inclusive as pretendentes e familiares, gerando preconceito e solidão. “Muita gente fala de mal de mim sem nem me conhecer, me julgam pela aparência, dizem que me viram cheirando cocaína ou fumando maconha, não tenho nada contra as pessoas que fazem isso, porém é muito ruim levar fama de algo que não fiz e quando isso acontece, fico ruim e bebo ainda mais”, desabafa Fernando.

*Marcelo e Fernando são nomes fictícios para preservar as identidades das fontes.

 

Pedro Moraes

Com fé e determinação ele venceu o álcool, o preconceito e refez os rumos de sua vida que estava trilhada para o final de um túnel sem esperança e luz. Influenciado pela figura paterna, João Roberto começou beber com nove anos. “Lembro que fazia compras nos povoados com meu pai e quando ele estava sóbrio me dava uma tubaína para tomar, mas quando ele começa a beber dizia: Você tem que ser igual ao seu pai! Então, lembro que ele bebia e me dava uns goles, ficava rapidamente bêbado. Quando ele ia fumar sempre fazia dois cigarros, um para ele e outro para mim. Apesar dele ter me influenciado com a bebida e cigarro, não tenho mágoas dele, mas tenho certeza que a única coisa boa que meu pai me ensinou foi ser honesto e trabalhador”.

DECADÊNCIA
Quando se tornou adolescente, Roberto deixou suas influencias ganharem “pernas próprias” e o álcool começou a tomar conta do seu dia-a-dia. Ao perceber o erro, seu pai tentou corrigir, oferecendo conselhos e sermões, porém, era tarde, o menino tinha crescido e a droga se tornou uma “amiga” ajudando o jovem ficar mais solto para conquistar as garotas e se divertir. “Comecei a tomar umas duas quando frequentava uma festa, depois esse processo foi evoluindo, na época estava trabalhando e com um dinheirinho no bolso fui cada vez mais me afundando. Tem gente que bebe para cair, no meu caso a situação estava tão feia que estava com a lógica invertida, quando eu parava de beber eu caia”.

A dependência de Roberto com o álcool realmente era grande, ele confessa que quando “ia colher cenoura, deixava um litro de cachaça escondido no reboque do trator e colocava uma mangueira na boca da garrafa, trazendo-a até o banco. Quando sentia vontade de beber, era só puxar a cachaça pela mangueira, fazia isso para disfarçar porque um alcoólatra não gosta de ficar mostrando esse defeito a ninguém”.

Roberto teve um relacionamento rápido com uma namorada e teve um filho, depois conviveu com uma mulher por dez anos tendo mais três crianças. Nesse período ele começou a trilhar, em passos mais largos, sua caminhada para um submundo que parecia sem volta, chegando a ter diversas convulsões e discussões dentro de casa. “A primeira coisa que aconteceu comigo foi considerar como inimigos os meus verdadeiros amigos e familiares que se preocupavam comigo e me davam conselhos para parar de beber. Não me lembro de nada, bater nela eu sei que nunca bati, mas verbalmente sei que a machuquei bastante, fazendo diversas acusações”. A companheira de Roberto, não resistiu à convivência e saiu de casa com os filhos. “Ela levou tudo, só deixou um colchão,” diz Roberto.

Daniel, de 16 anos, filho mais velho de Roberto, ao se recordar de uma época que ele espera que não tenha volta afirma: “Meu pai me mandava comprar bebidas para ele, mas me sentia triste, não gostava de ver as pessoas me dizendo que ele estava louco e que iria morrer, ouvia aquilo e ficava quieto, não falava nada, mas por dentro orava para que Deus ajudasse ele. Pai foi para um centro de recuperação e oramos ainda mais”.

“Sabe Lázaro? O personagem bíblico?” questiona Roberto, “a única diferença que tinha dele era o fôlego da vida, mas já estava cheirando mal, foi então que Militão do Maanaim me procurou e me levou para o centro de recuperação”. O começo foi difícil, a abstinência do álcool no organismo é uma fase complexa que muitos não resistem e abandonam o tratamento, Roberto comenta que foram os piores dias da sua vida. “Quanto mais injeções de tranquilizantes aplicavam em mim, parecia que ficava mais forte. Chegaram a me amarrar sozinho em um quarto, parecia um louco. Nos dez primeiros dias sem álcool não comia por minhas mãos, tremia muito, ficava envergonhado e esperava todos comerem para que quando tivesse mais vazio começasse a me alimentar, mas não conseguia fazer aquilo sozinho, pegava um copo de água e me molhava, foi então que comecei a dar valor a coisas simples, como tomar um banho, usar desodorante ou comer. No centro, via pessoas que nem me conheciam se dedicando, me ajudando e orando por mim, isso me comoveu”.
Uma trajetória de recuperação


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Ao lado da esposa, filho e mãe, Roberto vive em harmonia

Após essa etapa, Roberto, sentiu que estava curado e três meses após o internamento pensou em sair do tratamento. “O centro é um local para pessoas com problemas, todos rejeitados, quando alguém fica em um local desses, sozinho, você se pergunta: o que estou fazendo aqui? Foi então que tive um encontro verdadeiro com Deus, senti a presença dele e descobrir que não estava ali para buscar apenas libertação do álcool  e sim uma mudança radical em minha vida.  A partir disso, meu cotidiano mudou e percebi que tinha encontrado um alicerce, que é Jesus. Logo  passei de aluno interno para voluntário e comecei a ajudar os obreiros, viajando com eles para ajudar outras pessoas e captar recursos para instituição”.

Roberto voltou para Lapão recuperado, porém quando chegou muitos indagavam: será que ele melhorou mesmo? “A sociedade não era obrigada a me receber de braços abertos”, reconheceu Roberto,  mesmo assim, ele conseguiu um emprego na construção de uma rede de esgoto e depois outro de padeiro, readquirindo a confiança da sociedade. Com a ajuda de sua mãe, conhecida como “Dona Sinhá”, ele conheceu um novo amor, Célia, estando casado oficialmente há quase quatro anos. “Ela não pode ter filhos, mas Célia me ajuda a cuidar dos meus quatro filhos que hoje moram comigo. Graças a Deus, tudo tem dado certo e vivemos em harmonia”.

“Hoje sou uma referência, era a ovelha negra da família e depois de sair do fim do poço, me tornei diácono de uma igreja evangélica, continuo como padeiro e estou inserido na sociedade. Minha família e amigos se dirigem a mim para pedir conselhos e orações, sinto orgulho da transformação que Jesus fez na minha vida, por isso, dou um testemunho de superação a cada dia com atos, ações e palavras  mostrando que a todos que realmente mudei”.

Pedro Moraes